A tempestade continua. A
chuva torrencial insiste em cair, quase como se quisesse lavar as ruas da
pequena Colima. De fato, as ruas estavam imundas, repletas de lixo, lama e
sangue. A polícia segue abismada tentando entender como e por que o padre
Frederico foi cruelmente empalado pela cruz no altar no teto da Catedral
Basílica. Alguns quilômetros adiante, no condomínio Barronuevo, o jovem Tito
Banderas permanece em choque, sentado no canto da parede, observando os corpos
mortos de seus pais. Perto dalí, o sangue de Eduardo Perez escorre pelo
asfalto, enquanto o vigia Chavo Sanchez tenta desesperadamente ligar para a
polícia para ir atrás do assassino de seu amigo, mas isso de nada adiantaria...
Ramon Cortez, pelo menos o que sobrou dele, responsável pelos assassinatos em
Barronuevo estava agora muito distante de lá, no banco de trás de um carro em
Michoacán... A direita de seu cadáver, a
jovem Lilian Mulligan dormia um sono profundo, enquanto o sangue ainda escorria
por suas presas. No banco dianteiro,
Jason Rhodes estaciona o carro calmamente, para fazer sua última “visita” antes
do nascer do sol. Ele observa uma placa próxima a calçada. Necrotério Saint
Germaine. “É aqui”, pensa o vampiro enquanto desce do veículo. Rhodes anda até
a parte traseira do carro e abre a porta ao lado do cadáver de Ramon. Ele leva
as mãos ao que sobrou do tronco do rapaz e o perfura.O vampiro quebra as
costelas do morto, puxando-as para fora, rasgando a carne, para abrir caminho
para o coração, e então o puxa de uma vez.Ele fecha o carro e anda pelas ruas
molhadas em direção à entrada do prédio, enquanto seu corpo vai aos poucos se
tornando transparente. Em segundos, ele some, como um fantasma.
Dentro do necrotério, pouca atividade. Apenas uma médica
permanece de plantão. Cuidadosamente, ela faz a perícia do, com sorte, ultimo
corpo da noite. Vinte e oito anos, cerca de um metro e sessenta e três, morena,
olhos castanhos, aparentemente saudável, mas com olheiras muito escuras, como
se não tivesse descansado nas ultimas 72 horas, sem antecedentes criminais.
Causa da morte: com certeza será seu péssimo gosto para amigos, ou seus hábitos
“religiosos” não muito comuns. Ela escuta um barulho vindo da mesa ao lado, e
se vira assustada, procurando sua origem. Encima da mesa, apenas um saco preto
lacrado. Ela respira fundo e volta ao trabalho. Alguns instantes depois, a
médica escuta o barulho novamente vindo da mesma direção, mas dessa vez, ela o
ignora. Minutos depois ela escuta novamente um som vindo do saco, mas dessa
vez, algo diferente, similar a uma risada abafada. Ela engole seco. A legista
pega seu bisturi e anda lentamente até o saco. Silêncio total. Ela então começa
a abrir o zíper vagarosamente, tomada pela tensão e pela curiosidade. Uma voz
rasga o silêncio.
- Doutora, to com um problema... Meu olho caiu, você pode
colocar de volta? – diz Jason Rhodes, deitado dentro do saco preto, com seu
olho decepado em suas mãos.
- Porra Tom, não podia entrar pela porta como qualquer
pessoa?! – reclama a mulher, gritando. Sua voz apresentava uma mistura de
alívio e raiva.
- Doutora Maya Pride... Quando foi que você perdeu seu senso de
humor? – ri Jason, se levantando.
- No mesmo lugar onde você perdeu sua humanidade Tom.
- Tem certeza? Isso é meio longe daqui... – debocha o vampiro.
- Vá pro inferno.
- Bom te ver também Maya.
Os dois se entreolham por alguns segundos. Ela ri.
- O que veio fazer aqui Tom?
- Vim te trazer um presente. Ah, e o nome agora é Jason – Rhodes
põe a mão no casaco e joga o coração de Cortez na mesa. – Fresquinho.
A Dra. Pride olha para o coração com satisfação. Jason sempre
trazia material de boa qualidade... Com certeza serviria para o Ritual de
Renascimento.
- Obrigada Tom... Mas com certeza você não veio aqui apenas para
me dar isso não é?
- Esperta como sempre. Preciso que ache uma pessoa pra mim. E o
nome agora é Jason, já falei.
- Sempre com segundas intenções... Qual o nome da vítima dessa
vez “Jason”?
- William Ghastey. – responde Rhodes, sentado na mesa, brincando
com o próprio olho – Ah, e preciso que você cole isso aqui na minha cara, esse
visual de pirata não me cai bem.
- Como perdeu ele dessa vez bebê? – Pergunta a médica enquanto
anda até seu armário na outra sala.
- Saí na porrada com o Darrel... Lembra dele? – Jason se levanta
e segue a doutora. – E só pra avisar, sem essa do bebê, sou pelo menos duzentos
anos mais velho que você.
- Não estou te chamando de pequeno, só estou sendo carinhosa...
Bebê. – debocha Maya enquanto leva uma maleta para a sala de autópsia. – E sim, lembro dele. Infelizmente, não de uma maneira boa. Foi ele
que me caçou quando eu saí.
- Tá mais morto que o cara na outra mesa agora.
- Imaginei... Agora fica parado bebê.
Maya abre a maleta, pega um saco de pó roxo e mistura com um
pouco de um líquido vermelho e viscoso por alguns minutos, enquanto parece
sussurrar algumas palavras incompreensíveis. Ela passa o líquido no rosto de
Jason, desenhando alguma coisa, na ferida onde deveria estar seu olho. Ela
recoloca o olho no lugar e joga um pouco do pó roxo na área.
- Isso vai arder um pouco. – Fala a médica com a mão na bochecha
de Rhodes.
- Não me importo. Já passei por coisa pi...
- Leha Turh Yee! – grita a Dra. Pride, para ativar a runa. Chamas
Azuis queimam no rosto do vampiro, que se joga no chão berrando de dor. Ele se
debate no piso por cerca de vinte segundos, até que o fogo se extingue.
- Essa porra num arde um pouco não! Arde pra caralho! Porra... –
resmunga Rhodes, enquanto passa a mão no olho recém restaurado, para checar se
está tudo ok.
- Pensei que já tivesse passado por coisa pior...
- Engraçadinha... E o Ghastey, tem como achar?
- Ter
eu tenho, mas não agora. Não estou com os componentes necessários pra fazer um Ritual
do Caçador aqui... Vou precisar de pelo menos dois dias para fazer os
preparativos... Pra quê quer achar esse cara?
- Ele é o novo “eleito” do Padrinho... Quero me livrar dele
antes que seja transformado, pra o Padrinho entender com quem tá mexendo...
- Tá com medinho de não ser mais o favorito? – Brinca Maya.
- Você tá muito engraçadinha Maya...
- Onde você perdeu seu senso de humor Tom?
- Touché.
- Mas então... Quer dar cabo dessa pobre alma só pra mandar um
recado pro Chefão?
- Também por isso. O outro motivo é que, de acordo com minhas
fontes, Ghastey é influente demais nos governo do Canadá e de diversos países
da América Central. Tá começando a crescer demais nos Estados Unidos, que é a
área do Eli. Isso somado a influência do Padrinho na Europa e na Ásia... Vão
dominar o mundo quase todo na minha frente, e daí pra tomar todo de uma vez de
volta vai ser quase impossível.
- Ainda com essa idéia maluca na cabeça?
- Sempre com essa idéia maluca na cabeça.
- Você falou no Eli... Como ele está? Não vá me dizer que ele
aceitou fazer parte do seu plano insano?
- Não só faz parte como também é um dos meus principais
responsáveis por ele estar dando certo.
- Você quase morreu da ultima vez que tentou Thomas.
- Não planejei o suficiente da outra vez... E o nome agora é
Jason. – respondeu Rhodes com o pensamento distante, como se estivesse perdido
em alguma lembrança ruim. Ele leva os olhos ao relógio e suspira. – Acho que
esta conversa vai ter que parar por aqui... O sol deve nascer em breve, e eu
acho que não quero olhar pra ele hoje... Acompanha-me até a porta?
- Claro... Por que não? – Sorri a doutora Pride. Ela se levanta
e os dois caminham em direção ao carro de Jason no lado de fora.
- Ligue pra esse número quanto terminar o Ritual. –Fala Jason entregando
um cartão.
- Pode deixar. Três dias no máximo.- A médica põe o cartão no
bolso do jaleco.
Ao passarem
pela porta, o vampiro abre um largo sorriso, como se tivesse lembrado uma velha
piada e pergunta:
- O Rudolf ainda te liga? – diz Jason, segurando uma gargalhada.
- Thomas, isso já faz mais de doze anos!
- Responda a pergunta.
- Pelo menos uma vez por mês. – responde Maya, quase rindo.
- HUHAUHAHUHAUUHAUUHAUHA... Que otário. Ele arrumou os dentes
pelo menos?
- Nunca.
Jason e Maya chegam ao carro. Ele abre a porta e entra pronto
para dar a partida, quando é interrompido pela médica, que observava atenta o
banco de trás, com os olhos fixo em Lily.
- Quem é essa, Tom?
- É meu novo monstrinho...
- O que aconteceu com a outra? O houve com a Carmen?
- Não era boa o suficiente, acabou pirando e morreu.
- Você sabe que eu não aprovo isso.
- Você sabe que isso não faz diferença pra mim...
O silêncio preenche a conversa por alguns segundos, até que Maya
volta a falar.
- Tenta não morrer.
- Não vou.
- Não vai tentar ou não vai morrer?
- Não sei.
- Adeus Thomas... Se cuide.
- Até mais Maya... E o nome agora é Jason!
O vampiro liga o carro e dá a partida, acelerando pela estrada,
até sair de vista. Ultima tarefa no
México cumprida. Próximo alvo traçado. Precisava agora encontrar um refúgio
para si e para Lily até a próxima noite, e pensar numa maneira de despertá-la
completamente... Jason circula pela
cidade até encontrar uma velha casa abandonada. Enquanto desce do carro para
checar a “disponibilidade” da casa, o celular de Rhodes toca.
- Tom, preciso de você no meu clube em San Diego o mais rápido
possível. Não demore. Temos problemas – diz Elijah Jackson do outro lado da linha,
com preocupação na voz.
- Eli, eu acabei de passar alguns perrengues aqui no México, não
dá pra esperar alguns dias não?
- É sobre o Alexander.
A linha fica muda por seis segundos. Rhodes respira fundo.
- Estarei aí no fim da noite. Preciso de um avião.
- Terá um no aeroporto de Morelia esperando por você em três
horas. Portão J16. Seu nome lá será Felipe Morelo.
- A caminho. – Diz Jason desligando o telefone, e retornando ao
carro. Ele liga o GPS do celular e
acelera pelas ruas em direção ao aeroporto, apressado.
- Maldição... – pragueja Rhodes, enquanto os primeiros raios de
sol começam a surgir no céu...